Das coisas deixadas de fora

por coala
18 de julho de 2013

uma provocação

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"Disse a ele para se preocupar com seus próprios assuntos, estava cansada de ter a Causa constantemente atirada na minha cara. Não acreditava que uma Causa que se posicionava em favor de tão belo ideal, pelo anarquismo, pela libertação e liberdade de convenções e prejuízos, poderia exigir uma negação da vida e diversão. Insisti que nossa causa não poderia esperar que me comportasse como uma freira e que o movimento não devia ser transformado em um convento. Se assim o fosse, eu não o queria. 'Quero liberdade, o direito de expressão própria, o direito de todos à coisas radiantes e belas'." Emma Goldman em Vivendo Minha Vida, p. 56.

As repetições me encantam.

Tem coisa que sempre volta. A foto acima foi tirada na recente ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. As genitálias desnudas, os punhos erquidos e os rostos cobertos logo abaixo dos retratos de velhos burocratas foi demais para o Facebook, que tem deletado a foto em todos os perfis. Os peladões, essa espécie de vândalos do próprio corpo, são um fantasma que ronda as ocupações de prédios públicos. Ao que consta, não estavam presentes aí nenhum dos peladões belorizontinos. Também não estavam na Câmara de BH aqueles pelados acusados de acabar com a Ocupação da Reitoria da UFMG em 2008, (que, aliás, encontra-se atualmente ocupada também por gente eventualmente pelada). Em 2006 foi após uma pessoa tirar a roupa no Encontro Nacional de Estudantes de História em Aracaju (em armas!) que a PM local reprimiu grotescamente um evento em praça pública. Tem coisa que sempre volta.

Revoltas são catarses coletivas.

A catarse nos empodera mas também se apodera de nós, e é preciso estar nas ruas com 120 mil pessoas para entender a força disso. Cada um reage do seu modo. Tem gente que agarra no diabo do microfone e se expressa ali, lutando contra os minutos e o coito interrompido: "conclua". Tem gente que se contenta em balançar a bandeira. Tem gente que taca pedra, tem gente que escreve. E tem gente que se despe de preconceitos e tenta construir um corpo novo para si.

Essas repetições nos dizem que há algo ali por resolver.
Cada vez que um burocrata pega o microfone para dizer que "não é a hora", que "há coisas mais importantes", ele está ignorando um debate que tenta se impor, um debate sobre os corpos e as cicatrizes que o poder deixa neles. Viver no Brasil e considerar o debate sobre o corpo como minoritário é estar completamente alheio ao mundo a sua volta. O corpo ds brasileirs é parte fundamental das propagandas de governo, da publicidade das grandes corporações e, ora vejam só, até mesmo da CBF. Mas não adianta soterrar com recalques, porque este é um debate que sempre volta.

É bom lembrar que não existem planos prévios sobre desnudar-se em prédios públicos, a maior parte dessas pessoas não se conhece e provavelmente recusaria se organizar desta forma. As pessoas que se desnudam o fazem com a mesma legitimidade com que pulam catraca ou se sentam no saguão da Câmara. Peladões são frutos dos mesmos desejos de emancipação da revolta em si. É preciso que as ocupações criem canais para que tais demandas possam se expressar e ser debatidas, ou ficaremos eternamente presos à repetição da crise.

E você ativista que grita que "não é o local apropriado" com medo do que a "mídia", o reitor ou seus colegas de trabalho vão pensar, não tenha dúvida: você está lacerdando.

senta lá, cláudia.
A maior parte de nós foi às ruas em junho após TODA a imprensa ter criminalizado o movimento em São Paulo. Quem está na rua sabe, não importa o que façamos a mídia corporativa vai criminalizar, o Estado vai dizer que é impossível e a Polícia vai reprimir, disso já sabemos. A questão é o que faremos com isso. Eu não sei de vocês, mas me recuso a tomar a função do censor, a obedecer ao manual do bom manifestante da PM, a criminalizar aqueles que estão ao meu lado nas barricadas.

É sempre bom lembrar que foi a prisão de uma moça que ousou tomar sol na Praça Raul Soares que inspirou algumas centenas de pessoas a transformar as praças de BH em praias.

E, afinal de contas, são apenas corpos nus. Você também tem um debaixo de tudo isso aí.

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