É tempo de viver sem medo IX

por Carlos Frankiw

29 de junho de 2013

“É tempo de viver sem medo.”
Eduardo Galeano

De assembleias, rebeldias e imprevisibilidades…

Destas flores que andaram a nascer nas ruas, viadutos ou em casas do povo, ainda um tanto me preocupa a inoperância e burocracia das assembleias de rua que vi, vivi. Algo de velhas táticas de esvaziamento de boas vontades, algo de repetir ao absurdo velhos argumentos já bem constatados a qualquer cidadão que por ventura procure o contraste entre aquilo que vivencia e aquilo que é visível por meio das mídias tradicionais. Havia, e ainda há, risco real de inoperância, palanques e holofotes a quem crê que lutar seja controlar, subordinar a si seus interesses.

Mas falo de viadutos. Disso, pouco resta a mim, anarquista, afora juntar com os meus e tentar a simples proposição de nos unirmos por instantes que sejam em defesa e intervenção em favor do caráter horizontal e participativo destas assembleias de viadutos, se elas bem durarem no passar dos dias.

E falo de viadutos, e os acontecimentos, de todos os casos, se precipitaram.

Um poder municipal autoritário, tecnocrático e incapaz de construir diálogos com seus cidadãos. O cinismo público de empresas comandadas por lendárias seis famílias que bem lucram e que bem mais irão lucrar em suas planilhas, contratos, ao reiterar a realidade de reduzir o direito à mobilidade em privilégio. Uma Câmara de “representantes” como demonstração clara de falência das dimensões da democracia representativa brasileira, mais interessada, em seus projetos e votações, em atender àqueles que pagam suas campanhas que aqueles que os elegem. Uma redução cínica de migalhas de centavos em passagens por meio de manobra escusa que ampliou ainda mais os lucros destes interessados em reduzir direitos a privilégios, a santidade de contratos e ser espécie de crime contra a propriedade tornar públicos os mesmos. Uma sessão extraordinária no não menos escuso horário de oito da manhã, marcada em um não menos absurdo sábado. Cidadãos impedidos de ali tomarem parte na casa que em tese os representam.

E foram estes mesmos cidadãos, sem mandato afora sua rebeldia e sua indignidade, que se apropriaram de um espaço que em bem verdade sempre foi, por direito, seus e de toda a população belorizontina. Do pouco que ontem ali estive, guardo lá alguns fragmentos: bandeiras variadas e efetivas em suas aspirações nos mastros do prédio, solidariedade em doações de coxinhas e leite achocolatado, apreensões e sorrisos, mãos no ar, assembleias efetivamente empoderadas por parte daqueles que nelas tomam parte em deliberação permanente e prática, escudos com corações. Sai de lá pouco antes de poesias e duelos de poesias das ruas.

Disso tudo, resta dizer que é preciso cultivar esta flor terceira. Gastar algum tempo, algum gesto de solidariedade que seja, de criatividade que seja. Diversificamos, e façamos florescer mais novas e boas idéias: um bom anarquista e companheiro das antigas deu a boa idéia de talvez montarmos ali uma biblioteca para os que ali se utilizam e se apropriam do que é seu, apenas para ficar num exemplo. E verei dentre meus livros se há aqueles cujo menor apego eu possa disponibilizar pra quem quer que seja os leia.

Porque, se é pra transformar, que cada rua, cada praça e viaduto, cada espaço público seja ocupado, e em cada um deles seja erguida uma barricada, simbólica que seja, em favor das aspirações de mudança.

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